As grandes companhias geralmente preferem manter distância de conflitos sociais e políticos, principalmente numa época em que prevalece a polarização. Na maioria das vezes, elas temem chocar os clientes e ver suas marcas associadas a questões sensíveis. Mas, em alguns casos, são obrigadas a tomar posição ou até a modificar suas práticas.

Na esteira da morte de George Floyd e das recentes manifestações contra o racismo, algumas marcas de cosméticos foram duramente criticadas em relação aos estereótipos que seus produtos podem veicular. Essas marcas foram principalmente acusadas de alimentar os estereótipos relacionados à cor da pele, com a comercialização de produtos de clareamento cutâneo e ações de marketing que dão a entender que a pele clara é mais bela ou, no mínimo, mais desejável.

Esse foi o motivo pelo qual a Hindustan Lever, filial da Unilever na Índia, decidiu mudar o nome de sua marca Fair&Lovely, dando a ela um perfil mais inclusivo e conferindo igual destaque a "todas as tonalidades de pele".

Em um comunicado divulgado no dia 27 de junho, a L’Oréal, gigante francesa do setor de cosméticos, anunciou a decisão de retirar determinadas palavras — por exemplo, "branco / branqueamento (white/whitening), "claro / clareamento" (fair/fairness, light/lightening) — de todos os produtos destinados a "dar um tom uniforme à pele". A empresa não forneceu nenhum outro detalhe sobre como essas mudanças se traduzirão na prática.

Paralelamente, a empresa americana Johnson & Johnson decidiu tomar medidas ainda mais radicais e anunciou que deixaria de comercializar alguns produtos das marcas Neutrogena e Clean & Clear na Ásia e no Oriente Médio. "O debate dessas últimas semanas evidenciou que certas denominações ou promessas de produtos Neutrogena e Clean & Clear destinados a reduzir manchas cutâneas representavam a pele branca ou clara como melhores que a tonalidade pessoal e única da pele das nossas clientes", explica a companhia em um comunicado. A empresa anunciou também que doaria 10 milhões de dólares em três anos para a luta contra o racismo nos Estados Unidos.

Palavras e fatos

Entretanto, as iniciativas das empresas do setor de beleza, quer sejam espontâneas ou não, nem sempre têm conseguido reforçar os laços pessoais entre as marcas e os consumidores. Pelo contrário, às vezes geram tantas críticas quanto a situação inicial.

Prova disso é a reação da ativista francesa Rokhaya Diallo, que questionou a própria existência de produtos cosméticos criados com o objetivo de clarear peles escuras. "Quer dizer que tudo bem continuar a lucrar com essa situação trágica?", deplorou ela no Twitter, ao comentar a decisão do Grupo L’Oréal.

As marcas de moda e beleza que nos últimos anos abraçaram as questões de inclusividade e diversidade estão descobrindo, agora, que esses temas são pelo menos tão sensíveis quanto as questões ambientais. A tal ponto que a expressão diversity washing vem sendo usada para designar empresas que falam muito e agem pouco.

Quando, no início de junho, a L’Oréal Paris proclamou sua "solidariedade para com a comunidade negra e contra toda e qualquer forma de injustiça", a mensagem foi interpretada como puro newsjacking, técnica que consiste em lançar uma campanha de comunicação imediatamente após um evento, a fim de aproveitar a onda de repercussão na mídia. A marca também foi acusada de hipocrisia pela modelo e ativista transgênero Munroe Bergdorf, contratada pela L’Oréal Paris em agosto de 2017, mas demitida alguns dias mais tarde, após uma polêmica envolvendo comentários que ela havia publicado no Facebook, em resposta aos violentos confrontos registrados em Charlottesville, no estado americano de Virgínia. A L’Oréal finalmente se desculpou e contratou de volta Munroe Bergdorf.

Para não passar por uma saia-justa, as empresas precisam fazer com que esses temas se traduzam em ações no dia a dia, e não apenas divulgar comunicados quando essas questões aparecerem nas manchetes de jornais. Os fatos são mais importantes que qualquer discurso. De nada adiantam belas palavras diante da conclusão de um relatório publicado em 2019 pelo Boston Consulting Group: somente 3 afro-americanos e 24 mulheres comandam as 500 maiores empresas dos Estados Unidos.