É compreensível que ao falarmos de sustentabilidade no setor de cosméticos as embalagens sejam a primeira preocupação. Dados da alemã CleanHub apontam que a indústria da beleza produz cerca de 120 bilhões de embalagens ao ano e que menos de 10% do plástico é reciclado. Mas o impacto ambiental da produção de cosméticos começa muito antes, com a escolha da matéria-prima e o modo como ela é obtida. Nesse cenário, ativos upcycled começam a ganhar relevância no mercado brasileiro de beleza.
“Os ingredientes upcycled tornaram-se fundamentais na transformação da indústria de cosméticos em direção à sustentabilidade, economia circular e eficácia comprovada cientificamente. Ao transformar subprodutos ou resíduos em novos produtos de maior valor agregado, o upcycling não só contribui para a sustentabilidade e a eficiência dos recursos, como também abre novas oportunidades de mercado na indústria cosmética”, diz Alice Belveyre, gerente da categoria Biotech na Givaudan Active Beauty.
Entre os recentes lançamentos da companhia está o ativo anti-idade Evernityl, derivado da macroalga marinha Laminaria hyperborea, utilizada na fabricação de bioestimulante agrícola. “Durante o processo de produção do bioestimulante, uma determinada fração da solução obtida após as etapas iniciais de transformação das algas não é utilizada no produto final. Exploramos o potencial desse coproduto como ativo em cosméticos com benefícios promissores e recorremos ao upcycling como solução sustentável para valorizar esse recurso”, ela explica.
A sustentabilidade não se opõe à inovação
A Givaudan Active Beauty conta com outros dois ingredientes – voltados ao cuidado capilar – provenientes do upcycling. O Patchoul’Up, obtido a partir das folhas de patchouli utilizadas na extração do óleo essencial para perfumaria, e o DandErase, derivado de flores de açafrão usadas na produção da especiaria. “Eles demonstram que a sustentabilidade não se opõe à inovação, mas sim aumenta a credibilidade e a viabilidade a longo prazo do desenvolvimento de cosméticos”, afirma Belveyre.
A Chemyunion incorporou a seu portfólio o Ecoffea Citrus, ingrediente que estimula a longevidade celular, desenvolvido a partir do upcycling da “torta de café verde” e do bagaço de limão siciliano, como explica Rafael Biscaro, coordenador de marketing de produtos em cuidados para a pele.
“O Ecoffea Citrus evolui a partir do Ecoffea, ativo facial originado da ‘torta de café’ resultante da prensagem do óleo de café verde Melscreen Coffee, que também gera o Iselight, ativo para clareamento de marcas senis. Antes de seu reaproveitamento cosmético, esse material tinha destino limitado ou era simplesmente descartado, apesar do alto teor de compostos fenólicos. Já o bagaço de limão siciliano proveniente da indústria brasileira de sucos, que normalmente seria utilizado apenas para produtos de baixo valor, como fibras, pectina ou aplicações industriais, é seco em uma planta que reaproveita água e calor e destinado à produção do extrato cítrico presente no novo ingrediente, ampliando o impacto positivo da empresa e reforçando seu compromisso com economia circular”, ele diz.
Descarte das indústrias agrícola e vinícola
Lançada em 2021, a Ziel Natural Cosmetics tem todos os seus produtos desenvolvidos com ingredientes upcycled. “A marca nasceu com o propósito de reaproveitar o que seria descartado pelas indústrias agrícola e vinícola, como a casca da uva, a semente da maçã e o café verde. Após processos verdes, esses subprodutos, se tornam ativos com altíssimo valor antioxidante, hidratante e regenerativo”, afirma a fundadora Ana Koff.
Em 2024, a Ziel reaproveitou mais de uma tonelada de excedentes vegetais, evitando mais de 450 kg de emissões de gases de efeito estufa. A empresária conta que além de reduzirem o impacto ambiental ao evitarem o cultivo de matérias-primas exclusivas para o setor cosmético, esses subprodutos trazem benefícios reais à pele, já que concentram moléculas bioativas poderosas, muitas vezes em maior quantidade do que na matéria-prima ‘fresca’. “Isso significa que, ao fazer upcycling, a marca também potencializa a performance cosmética.”
Apesar do resíduo agrícola ser, em geral, mais acessível na base da cadeia, sua transformação em um ativo cosmético exige altos investimentos. Por isso, os custos de produção de cosméticos com ativos upcycled são mais elevados, porém compensados pelo valor agregado, diferenciação e impacto ambiental positivo, de acordo com Koff.
A S Cosméticos do Bem lança em 2026 seu primeiro dermofitocosmético derivado de upcycling. Todos os produtos da marca são formulados a partir de um complexo de bioativos derivado da planta Artemisia annua, obtido por meio de uma tecnologia de extração limpa e inteligente. A planta seca resultante do processo de extração também se mostrou rica em bioativos. “Partimos para um estudo mais detalhado das propriedades desse subproduto, visando a possibilidade do uso integral da matéria-prima. As indicações são muito animadoras e abrem um enorme leque de aplicações”, diz a CEO e fundadora Soraya El Khatib.




















