Para obter um resultado perfeito, o perfumista precisa conhecer bem sua paleta de ingredientes e usar associações muitas vezes surpreendentes, a fim de recriar a fragrância e o efeito de determinadas substâncias durante a evaporação.

Quais são os motivos que têm obrigado as marcas a reformular alguns de seus perfumes?

Suzy Le Helley - O principal motivo é a conformidade para com a legislação. As grandes empresas do setor seguem as diretrizes da IFRA (Associação Internacional de Fragrâncias), que periodicamente são atualizadas. Na verdade, estamos atualmente em plena transição entre o aditamento IFRA 48 e IFRA 49. Com base nos dados científicos do RIFM (Instituto de Pesquisa de Materiais para Fragrâncias), a IFRA publica normas destinadas a reduzir ou proibir o uso de certas matérias-primas em perfumes, a fim de garantir a segurança dos consumidores.

Um dos exemplos mais notórios é a restrição de alergênicos como o Citral, presente em muitos insumos naturais, como gengibre, erva-cidreira e limão. Recentemente, o Lilial também passou a ser proibido. É difícil substituir esse ingrediente, porque é uma molécula com excelente desempenho.

Regularmente, são descobertos novos alergênicos que engrossam a lista, aumentam as restrições e nos obrigam a reformular certos perfumes. A IFRA proíbe também algumas matérias-primas. Por exemplo, há alguns anos os perfumistas podiam usar o absoluto de folha de figo. Hoje, esse ingrediente é proibido por ser fototóxico.

Mas existem também outros motivos. Às vezes, temos dificuldade em adquirir certos ingredientes, por exemplo porque um fornecedor decide interromper a venda de bases antigas. Sem falar que a natureza tem seus caprichos e pode parar de produzir certas substâncias naturais, principalmente como consequência das mudanças climáticas. A indústria química também está sujeita a imprevistos, o que pode impactar o abastecimento. Como vemos, a maioria desses fatores independe do controle dos perfumistas.

Em que medida a reformulação de perfumes é uma forma diferente de criatividade?

Suzy Le Helley - A reformulação é um exercício muito mais difícil do que parece, a tal ponto que se tornou parte integrante da profissão de perfumista. Não é raro que nos peçam um resultado final ligeiramente diferente, um pouco mais floral, mais difusivo, mais cremoso... No caso da reformulação, o desafio é fazer igual, mudar sem mudar, sem desfigurar o produto, porque alguns consumidores costumam comprar o perfume há muitos anos e o conhecem como a palma da mão. Portanto, não podemos decepcioná-los, e esse é o grande desafio.

Para obter um resultado perfeito, o perfumista precisa conhecer bem sua paleta de ingredientes e usar associações muitas vezes surpreendentes, a fim de recriar a fragrância e o efeito de determinadas substâncias durante a evaporação. Portanto, o perfumista precisa ser criativo, de forma a produzir uma ilusão, e mostrar-se extremamente meticuloso em seu trabalho. É um exercício que requer tempo para se chegar a um bom resultado e que obriga o perfumista a transpor seus próprios limites e a conhecer muito mais que sua paleta tradicional de ingredientes, com um nível de expertise também muito alto.

Reformulação e tecnologia?

Suzy Le Helley - A reformulação cria um excelente canal de expressão para substâncias sintéticas exclusivas das marcas, pois oferece uma oportunidade a mais para utilizá-las. A título de exemplo, nos últimos anos a indústria viu surgirem muitas substâncias que simulam o perfume de lírio-do-vale. A estratégia das empresas priorizava claramente a retirada do Lyral e do Lilial, com o objetivo de oferecer aos perfumistas uma nova ferramenta capaz de substituí-los. Na Symrise, desenvolvemos o Lilybelle®, ingrediente exclusivo obtido por um processo de química verde, a partir da reciclagem de cascas de laranja produzidas pela indústria de suco de fruta.

Os fabricantes têm o dever de informar o consumidor sobre a reformulação do perfume?

Suzy Le Helley - Costumo defender a transparência e a didática, mas a questão é delicada. Na minha opinião, cabe às marcas explicar esse processo, mas sei o quanto é difícil. No fundo, ninguém gosta de mudança. Todos nós preferimos continuar usando um perfume que seja idêntico a sua fórmula original.

A preservação desse patrimônio olfativo é um importante desafio, e é fascinante ver, ainda hoje, perfumes que têm pela frente muitas décadas de sucesso.

(Tradução: Maria Marques)