O impacto da atual crise sanitária em diversos setores econômicos - em particular de turismo, produtos de luxo, moda e cosméticos do segmento "prestígio" - será provavelmente mais grave que o da epidemia de SRAS de 2002-2003 e da gripe suína de 2009. A razão é simples: o número de chineses que viajam e consomem produtos dessas categorias é bem maior hoje.

Nesse cenário, é perfeitamente lógico que as marcas de moda e beleza premium queiram demonstrar seu apoio a esse importante mercado na Ásia. Muitas já se comprometeram a doar milhões de dólares a fim de contribuir para a luta contra o novo coronavírus. O Grupo Kering, proprietário de marcas como Gucci, Saint Laurent, Balenciaga, Alexander McQueen e Ulysse Nardin, anunciou na terça-feira que doaria 7,5 milhões de yuans (1,08 milhão de dólares) à Cruz Vermelha de Hubei. Na segunda-feira, o Grupo LVMH, proprietário das marcas Louis Vuitton, Fendi, Celine e Christian Dior, prometeu 16 milhões de yuans (2,3 milhões de dólares) à Fundação Cruz Vermelha da China. A L’Oréal, por sua vez, declarou que o Grupo doará 5 milhões de yuans, enquanto a empresa americana Estée Lauder prometeu 2 milhões de yuans. Fechando a fila, a Swarovski, fabricante austríaco de vidros, contribuirá com 3 milhões de yuans.

Crise contamina outros mercados

A indústria de viagens será a primeira a sofrer as consequências. A China continental, com sua população de 1,3 bilhão de habitantes, é a principal fonte de turistas no mundo, respondendo, em 2019, por 159 milhões de viagens para outros países, segundo a agência GlobalData.

A maioria dos turistas chineses costuma viajar para outros países dentro do próprio continente asiático, em particular Hong Kong, Macau, Taiwan, Tailândia, Coreia do Sul, Vietnã e Japão. Quando se aventuram em terras mais distantes, geralmente vão à Europa, aos Estados Unidos ou à Austrália. A França é o principal destino na Europa (2,2 milhões de visitantes chineses em 2018), seguida por Alemanha, Itália e Reino Unido.

O impacto da epidemia no número de passageiros de companhias aéreas afetará também as lojas dos aeroportos. "Para conquistar os passageiros chineses e potencializar as oportunidades de venda, nos últimos anos as lojas situadas em aeroportos, principalmente na Europa, adaptaram sua oferta, adotaram soluções de pagamento usadas pelos chineses e investiram na contratação de funcionários que falam mandarim", ressalta Honor Strachan, analista-chefe da GlobalData.

Em 2003, a epidemia de SARS derrubou o turismo na China e diminuiu consideravelmente o número de turistas na Tailândia, na Malásia, em Singapura e em Hong Kong, obrigando as companhias aéreas a imobilizar sua frota e a reduzir o número de voos. O coronavírus já afetou as vendas em torno das celebrações do ano-novo chinês, visto que os consumidores foram aconselhados - quando não forçados - a ficar em casa e a evitar viagens.

Em resposta à crise, certas operadoras estão contemplando a possibilidade de fechar suas lojas. O China Duty Free Group, por exemplo, decidiu suspender as atividades do shopping de Haitang Bay. O impacto dessa decisão será inevitável para o mercado de duty free da região Ásia-Pacífico em 2020.

"Em tempos normais, o primeiro lugar do ranking de vendas nos aeroportos em 2020 certamente ficaria com a região Ásia-Pacífico. A previsão era que as vendas movimentassem cerca de 21,7 bilhões de dólares, o que representa 45,1% das vendas mundiais e um crescimento de 8,4%. Se o coronavírus continuar se espalhando em escala mundial em 2020, seu impacto sobre o turismo e a economia, em particular na região Ásia-Pacífico, será devastador", completa Honor Strachan.

Os efeitos da crise serão sentidos muito além das fronteiras dos aeroportos, hotéis, restaurantes e pontos turísticos. Como os turistas, em particular os chineses, são consumidores vorazes, é provável que a onda de choque afete a maioria das marcas de luxo. A crise, que já derrubou o índice Nikkei no Japão, provocou uma desvalorização de mais de 5% nas ações da Shiseido na segunda-feira (03 Fev. 2020).