A compatibilidade entre recipiente e conteúdo é geralmente definida como a garantia de que as características de um produto (organolépticas, de segurança, de higiene etc.) e suas propriedades intrínsecas (integridade, condições para ação e desempenho, entre outras) sejam válidas durante toda a sua vida útil. Trata-se de uma etapa imprescindível do desenvolvimento de um novo produto, visto que só assim é possível garantir a segurança e o desempenho do produto oferecido aos consumidores.
Para as marcas de cosméticos, a principal função do sistema de embalagem sob o prisma da compatibilidade é proteger a fórmula do produto e reduzir o risco de fenômenos como absorção, adsorção, permeação, permeabilidade e relargagem. Basicamente, o recipiente não deve contaminar o conteúdo nem dispersar compostos que possam alterar ou deteriorar o produto. Portanto, a compatibilidade envolve o fato de que, em condições normais e previsíveis de armazenamento e utilização, "o recipiente deve proteger o conteúdo até o final de sua vida útil" e "não ter um impacto inaceitável no produto nele contido".
As modificações induzidas pela degradação do produto podem ser classificadas em quatro tipos, afetando:
– suas características organolépticas;
– sua composição química;
- seu perfil microbiológico;
– seus dados toxicológicos.
No mundo todo, a legislação sobre cosméticos costuma exigir que os produtos lançados no mercado sejam seguros para a saúde humana, respeitadas as condições de uso normais ou razoavelmente previsíveis. Essa exigência de segurança se aplica ao produto cosmético com sua embalagem. Em geral, a segurança das embalagens é regulamentada unicamente com base nas interações entre o recipiente e o conteúdo.
Testes de estabilidade física
Para garantir que nenhum problema de estabilidade seja induzido pelo tipo de recipiente e de embalagem utilizados, o SCCS [1] recomenda realizar testes de estabilidade física com recipientes inertes e com os que são destinados ao mercado. Alguns fabricantes utilizam padrões da indústria de fármacos (ICH10). Aliás, um guia de boas práticas de estabilidade para produtos cosméticos está em fase de conclusão pela ISO (ISO/AWI TR 1881112).
O teste de estabilidade permite verificar que o produto atende às normas físicas, químicas e microbiológicas especificadas, quando armazenado em condições normais e razoavelmente previsíveis. Para tanto, o produto é exposto a diversos tipos de situações, como mudanças de temperatura, do nível de umidade ou de exposição à luz UV. O resultado do teste determina a data limite de utilização do produto, bem como o período durante o qual deve ser utilizado após a abertura. O teste pode ser realizado mediante o método de envelhecimento acelerado (um a três meses) ou simplesmente em tempo real.
Integridade quantitativa e qualitativa
Em contato com o recipiente, a fórmula do produto pode, às vezes, sofrer alterações físico-químicas que provocam modificações em suas propriedades cosméticas, no desempenho dos princípios ativos e em sua integridade. Durante a análise de compatibilidade, é necessário estudar, etapa por etapa, a possível migração de componentes da embalagem para a fórmula, em função de diferentes condições de umidade e temperatura que imitem as condições normais e reais de uso, bem como as mudanças potenciais resultantes do envelhecimento do produto antes da data limite de utilização.
Após o estudo bibliográfico dos possíveis riscos de contaminação e antes de qualquer tentativa de quantificação por métodos analíticos sofisticados, a compatibilidade da fórmula com o seu recipiente requer, de início, uma análise visual e sensorial (norma NF-ISO-5492 ) das características organolépticas do produto, de seu cheiro, de sua textura e de sua cor, em especial.
As análises da fórmula realizadas com base em diversos intervalos de contato com o recipiente e em diferentes condições de armazenamento permitem medir a estabilidade da fórmula e a integridade quantitativa e qualitativa do produto cosmético, graças a tecnologias analíticas de ponta, como cromatografia em fase gasosa (GC), cromatografia em fase gasosa associada a espectrometria de massa (GCMS), espectrometria de massa e cromatografia em fase líquida associada a espectrometria de massa (UPLC MS/MS).
A partir dessas análises, associadas a degradações térmicas controladas, é possível verificar se há contaminação do produto por componentes da embalagem e se algum tipo de poluente, seja mineral, metálico ou plástico, deteriorou a fórmula e pode ser detectado na forma de traços, impurezas ou substâncias proibidas (aditivos, corantes, plastificantes, solventes e antioxidantes, por exemplo).
Vale ressaltar que é possível acompanhar o estudo das interações entre recipiente e conteúdo antes mesmo da análise da embalagem, seja ela de papelão, plástico, alumínio ou vidro. Tendo que lidar com um grande volume de regulamentos no mundo todo, os fornecedores de embalagens geralmente realizam esses testes nas fases iniciais de desenvolvimento, a fim de garantir a conformidade de seus produtos em relação ao uso para cosméticos e para confirmar que não há risco de oxidação nem migração.
A conclusão é que o estudo das interações entre recipiente e conteúdo constitui uma etapa crucial do desenvolvimento da segurança dos cosméticos. Num cenário em que os consumidores se mostram cada vez mais atentos à responsabilidade ambiental e no qual os cosméticos sólidos (que requerem menos embalagem) estão ganhando espaço no mercado, convém levar a questão a sério. Além disso, os desafios do upcycling e da reciclagem fazem surgir novas necessidades em termos de verificação e homologação desses recipientes, a fim de garantir aos consumidores um alto nível de segurança e desempenho durante todo o período de uso do produto cosmético, seja ele de que tipo for.