O que a ANSM pede é que a indicação "não utilizar nas nádegas de crianças com menos de três anos" seja adicionada a todos os produtos cosméticos sem enxágue que contenham fenoxietanol[ [Decisão de 13 de março de 2019, relativa às condições particulares para o uso de produtos cosméticos sem enxágue formulados com fenoxietanol: o rótulo deve indicar que o produto não pode ser usado para a higiene das nádegas de crianças de até três anos de idade.]]. As empresas responsáveis pela comercialização desses produtos têm um prazo de nove meses para aplicar a nova medida, que afeta todos os cosméticos sem enxágue formulados com fenoxietanol, exceto desodorantes, produtos capilares e artigos de maquiagem. Na prática, a norma contempla particularmente os lenços umedecidos usados para higiene infantil.

Amplamente utilizado pela indústria de cosméticos, o fenoxietanol (ou fenoxi-2-etanol) é um agente conservante da família dos éteres de glicol. A regulamentação europeia [1] exige que a concentração dessa substância em cosméticos seja limitada a 1% da fórmula.

Suspeito de ter efeitos tóxicos para o sistema reprodutivo, o fenoxietanol está na mira da agência francesa há muitos anos. Por medida de precaução, a ANSM recomendou, em 2012, que esse conservante não fosse usado em produtos cosméticos destinados à higiene do bumbum de bebês, e que o teor máximo dessa substância fosse de 0,4% nos demais produtos destinados a crianças com menos de três anos. Posteriormente, o Comitê Científico Europeu de Segurança dos Consumidores (SCCS) considerou, em um parecer de outubro de 2016 [2], que o fenoxietanol a 1% em produtos cosméticos não apresenta riscos para a saúde, seja qual for a faixa etária do usuário.

Em sua decisão, tomada "a título cautelar, a fim de garantir a segurança no uso de produtos cosméticos destinados a crianças", a ANSM explica que se pautou em "novos dados científicos relativos à exposição ao fenoxietanol". Na verdade, após a publicação do parecer do Comitê Científico Europeu, a ANSM decidiu dar continuidade às pesquisas que vinha realizando. Em 2017, criou o Comitê Científico Especializado Temporário (CSST), formado por especialistas em toxicologia, epidemiologia, vigilância sanitária, dermatologia e alergologia, com o objetivo de avaliar a necessidade de manter as recomendações apresentadas em 2012. Os membros do Comitê concluíram que "é necessário manter a recomendação de 2012 em favor da não utilização de fenoxietanol nos produtos cosméticos destinados às nádegas". Eles também estimaram que seria recomendável ampliar esse princípio a todos os lenços umedecidos, inclusive destinados a adultos, visto que muitas vezes são usados para a higiene infantil. "Em todos os outros produtos cosméticos destinados a crianças de até três anos, a concentração máxima de fenoxietanol poderá ser mantida em 1%".

Isso significa que a ANSM se coloca em oposição frontal ao ponto de vista da União Europeia. Nesse tipo de situação, o Artigo 27° do Regulamento Europeu relativo a produtos cosméticos [3] estipula que a Agência deve encaminhar à Comissão e às autoridades competentes dos demais Estados membros todos os elementos nos quais baseia sua decisão, de forma a determinar, assim que possível, se essa medida provisória é justificada ou não.

A COSMED e a FEBEA, associações profissionais que defendem os interesses da indústria francesa de cosméticos, já manifestaram a intenção de lançar mão de todos recursos de que dispõem para que a validade da decisão da ANSM seja reexaminada. A FEBEA anunciou, em particular, que pretende denunciar essa decisão perante o Conselho de Estado para solicitar que seja suspensa e, em seguida, revogada. A associação também pediu, à Cosmetics Europe, lobby da indústria de cosméticos em Bruxelas, que a Comissão Europeia seja imediatamente acionada.

Nos primórdios desta batalha jurídica, duas possibilidades despontam no horizonte:

 A medida provisória decidida pelas autoridades sanitárias francesas seria considerada sem fundamento pelas autoridades europeias: nesse caso, a Comissão deverá informar os Estados membros sobre essa conclusão, e a ANSM deverá revogar o regulamento o mais rápido possível;
 A medida provisória francesa seria reconhecida como justificada (provavelmente após novo parecer do SCCS); como consequência, o regulamento europeu deverá ser alterado.

Independentemente do resultado do processo, vale ressaltar que não é a primeira vez que o fenoxietanol aparece no banco dos réus. Num cenário em que o consumidor dispõe de um número crescente de aplicativos para avaliar produtos cosméticos - e em que a desconfiança em relação à segurança dos cosméticos provocou um movimento de desconsumo sem precedentes, do qual só os cosméticos naturais e orgânicos parecem escapar -, podemos apostar que os dias do fenoxietanol estão contados, ainda que essa substância ofereça vantagens incontestáveis para os fabricantes.