Quem nunca viu imagens chocantes da poluição dos oceanos? Garrafas boiando, resíduos amontoados no meio do Pacífico e tartarugas presas num emaranhado de sacolas se tornaram cenas corriqueiras ultimamente. A cada ano, a indústria produz centenas de milhões de toneladas de plásticos. E a ciência demonstrou que a degradação desse material em partículas cada vez menores vem poluindo maciçamente as águas e o ar.

"Não imaginávamos, há dez anos, que todo o ambiente à nossa volta seria invadido por uma imensa quantidade de microplásticos invisíveis a olho nu", comenta Jean-François Ghiglione, pesquisador do Laboratório de Oceanologia Microbiana de Banyuls-sur-Mer, na França. "E estávamos longe de supor que um dia encontraríamos partículas de plástico até mesmo no corpo humano".

Onipresença de partículas

Infelizmente, esse dia chegou. Não são poucos os estudos científicos que mostram a presença desses microplásticos em alguns órgãos humanos, por exemplo nos pulmões. Já sabíamos que estávamos respirando essas partículas presentes no ar, em particular as microfibras que entram na composição de roupas sintéticas. Mas "a verdadeira surpresa foi quando encontramos microplásticos em zonas profundas dos pulmões", explica à AFP Laura Sadofsky, da Faculdade de Medicina Hull York, no Reino Unido. Sua equipe detectou, nos tecidos do sistema respiratório, a presença de polipropileno e de PET (politereftalato de etileno).

Em março, um outro estudo demonstrou, pela primeira vez, a existência de vestígios de PET no sangue. Considerando o reduzido número de voluntários que participaram da experiência, alguns cientistas recomendam prudência ao tirar conclusões, mas a presença de PET leva a questionar a capacidade do sistema sanguíneo de disseminar essas partículas por todos os órgãos.

Mesmo se não sabemos como eles viajam dentro do corpo, detectamos microplásticos em vários órgãos: "pulmões, baço, rins e até placenta", afirma Jean-François Ghiglione.

Avaliar o nível de risco

Em 2021, pesquisadores que encontraram microplásticos nos tecidos da placenta materna e fetal expressaram "imensa preocupação" com as consequências potenciais da presença desses corpos estranhos no processo de desenvolvimento do feto.

Manifestar preocupação não significa, porém, que o risco foi comprovado. "Pergunte a um cientista se esse material pode causar danos ao ser humano, e ele responderá que não sabe", comenta Bart Koelmans, da Universidade de Wageningen, na Holanda.

"Potencialmente, é um problema grave, mas ainda não dispomos de prova científica que nos permita descrever os efeitos da presença de microplásticos – se é que esses efeitos existem", avalia ele.

Seja como for, não faltam pistas de estudo. Bart Koelmans levanta a hipótese de que essa intrusão de microplásticos – que talvez já venha acontecendo há muito tempo, embora só tenha sido detectada recentemente – seja responsável, por exemplo, por certas síndromes que deixam o organismo humano menos resistente.

Os microplásticos invadem o corpo pela respiração, mas também através da alimentação e bebida. Segundo um relatório de grande impacto publicado pela ONG WWF em 2019, o ser humano provavelmente ingere e inala até 5 gramas de plásticos por semana, o que equivale ao volume de um cartão de crédito.

Os resultados e a metodologia dessa pesquisa são contestados por alguns cientistas, como Bart Koelmans. Para eles, o volume absorvido é, em média, o de um grão de sal por semana. "Ao longo de uma vida inteira, um grão de sal por semana já é uma quantidade respeitável", ressalta ele.

Toxicidade para animais

Mesmo que ainda seja preciso desenvolver mais pesquisas na área da saúde humana, o alto nível de toxicidade observado em certos animais reforça o sentimento de preocupação.

"Esses minúsculos microplásticos, invisíveis a olho nu, têm efeitos nocivos em todos os animais que estudamos, tanto no ambiente marinho como nas espécies terrestres", garante Jean-François Ghiglione. Um dos principais vilões são os aditivos químicos presentes nesses materiais (corantes, plastificantes, estabilizantes, retardantes de chamas etc.), "que podem ter efeitos sobre o crescimento, o metabolismo, a glicemia, a pressão arterial e a sexualidade, entre outros problemas".

Tratado internacional

Há alguns meses, as Nações Unidas deram início à elaboração de um tratado internacional que obrigará os países a lutar contra essa invasão do planeta pelos plásticos. Lançando um alerta, a organização afirmou que a crise de poluição que o mundo está enfrentando é comparável às crises da biodiversidade e do clima.

Em 2019, cerca de 460 milhões de toneladas de plásticos entraram no circuito de consumo, ou seja, o dobro do volume de 20 anos atrás. Menos de 10% desse material foi reciclado. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), até 2060 a produção anual de plásticos fabricados a partir de combustíveis fósseis deverá atingir 1,2 bilhão de toneladas. Quanto ao volume de resíduos, certamente vai ultrapassar um bilhão de toneladas.