Nos arredores da French Riviera, mais exatamente na cidade de Grasse, floricultores, usinas de beneficiamento de matéria-prima e fabricantes de perfumes se unem para que seu know-how seja reconhecido pela Unesco, braço cultural das Nações Unidas.

Ao percorrer suas terras cultivadas com perfumadas rosas-de-maio, matéria-prima usada na fabricação da fragrância Chanel N°5, Joseph Mul segue os passos de seu tataravô, que começou a cultivar flores para perfumes em 1840.

Joseph, 77 anos, faz questão de perpetuar a tradição segundo a qual uma geração ensina à geração seguinte os segredos da floricultura. Atualmente, prepara-se para entregar as rédeas da empresa a seu genro, Fabrice Bianchi. "Ele se tornou meu discípulo no dia em que se casou com minha filha", conta Joseph.

No plano nacional, o know-how de Grasse em matéria de perfumes foi...

No plano nacional, o know-how de Grasse em matéria de perfumes foi oficialmente tombado pela França em 2014, mas o reconhecimento internacional pelas Nações Unidas ainda pode levar anos. Fotografia: © AFP Photo / Pascal Guyot

"O aprendizado é feito na própria plantação, em meio às flores. Mantemos uma troca constante de experiências – duas gerações que interagem, transmitindo uma à outra o know-how indispensável ao manejo das plantas", explica Fabrice Bianchi enquanto colhe uma rosa-de-maio, também conhecida como rosa Centifolia (de cem pétalas). "Essa rosa nasceu para seduzir o olfato. Seu aroma é aveludado e perfeitamente equilibrado".

É para perpetuar essa rica herança que Joseph Mul, figura bem conhecida da indústria de perfumes, e outros floristas de Grasse estão se mobilizando para que a cidade, situada no sudeste da França, seja tombada como patrimônio imaterial pela Unesco. Além dos floristas, o movimento conta com o apoio de fabricantes de perfumes franceses e de empresas responsáveis pelo beneficiamento de matérias-primas.

Capital mundial do perfume

Grasse, cidade com cerca de 50 mil habitantes, é um importante polo para o setor de perfumes desde os tempos de Luís XIV, no século XVII. Na época, os fabricantes de couro, presentes na região desde a Idade Média, criaram óleos aromáticos para perfumar seus produtos, principalmente luvas. Dizem as más línguas que o Rei Sol, grande apreciador do agradável aroma exalado por esses óleos, exagerava por vezes na dose, chegando a passar mal. Mito ou realidade, o importante é que, com o aumento da demanda, muitas floriculturas começaram a surgir na região.

Nos anos 1970, porém, o boom imobiliário e a concorrência de produtores estrangeiros, que ofereciam preços bem inferiores, colocou em risco a indústria de perfumes implantada em Grasse.

Apesar dos ventos contrários, Grasse conseguiu consolidar seu posicionamento como um dos principais polos mundiais do setor de perfumes, acolhendo grandes nomes da indústria, como Robertet e Fragonard. A indústria é responsável por cerca de 3 mil empregos na região.

Apesar dos ventos contrários, Grasse conseguiu consolidar seu posicionamento...

Apesar dos ventos contrários, Grasse conseguiu consolidar seu posicionamento como um dos principais polos mundiais do setor de perfumes.

No mundo moderno, o setor de perfumes mantém estreitas relações com o universo da moda e das celebridades – tendência que teve início em 1921, com Coco Chanel e seu N°5. Desde então, os perfumes se tornaram um elemento importante das franquias de grandes estilistas. Um bom exemplo é o Grupo LVMH, gigante mundial do luxo, que em setembro vai inaugurar um laboratório de criação de perfumes em Grasse.

Perfume, conceito e emoção

Nesse laboratório, serão desenvolvidas as próximas gerações de fragrâncias da Dior e da Louis Vuitton, contribuindo para reafirmar o posicionamento de Grasse como polo mundial da indústria de perfumes.

Nas fábricas instaladas em Grasse e arredores, são produzidos muitos perfumes para marcas de prestígio. O desenvolvimento das fragrâncias utiliza ingredientes naturais ou sintéticos originários de várias regiões do mundo.

"Em nenhum outro lugar do planeta é possível encontrar uma tal concentração de know-how. É para aqui que os protagonistas da indústria têm que vir quando querem desenvolver um produto natural", afirma Jacques Cavallier-Belletrud, filho e neto de fabricantes de perfumes originários da região, e atualmente estilista e perfumista da Maison Louis Vuitton.

Jacques juntou-se ao coro de profissionais que defendem o pedido feito pela França, em março de 2015, para que a expertise em perfumes desenvolvida por Grasse ao longo de séculos seja registrada pela Unesco como patrimônio cultural imaterial.

No plano nacional, o know-how da região em matéria de perfumes foi oficialmente tombado pela França em 2014, mas o reconhecimento internacional pelas Nações Unidas ainda pode levar alguns anos.

O objetivo é que a candidatura de Grasse contribua para perpetuar a tradição oral de ensino das técnicas de fabricação de perfumes.

"Os perfumistas têm uma linguagem própria impregnada de símbolos, e é por meio dela que conseguimos transmitir emoções com extrema rapidez. Quando estou com meu pai, nossa comunicação é instantânea", revela Jacques Cavallier-Belletrud. "Perfume é um conceito e um conjunto de emoções que podem ser compartilhadas".

Para Carole Biancalana, representante da quarta geração de uma família que cultiva flores para a indústria de perfumes, é fundamental que a tradição desenvolvida em Grasse seja reconhecida mundialmente, não apenas como tributo à história, mas também para o futuro do setor. "Precisamos que essa tradição seja tombada como patrimônio cultural, a fim de atrair jovens talentos para a profissão e homenagear as gerações passadas", defende ela.