Do verde ao sustentável

Durante muito tempo, o conceito de uma “perfumaria mais natural” foi estabelecido e como a perfumaria feita com fragrâncias compostas exclusivamente ou principalmente por ingredientes de origem natural. Essa contraposição às fragrâncias sintéticas, reforçada por adeptos de uma cosmética mais natural, acelerou nos últimos anos uma certa polarização na percepção de valor dos ingredientes da indústria, posicionando ingredientes sintéticos como vilões e ingredientes naturais como um verdadeiro alento e salvação no mar de substâncias às quais estamos expostos diariamente.

Se por um lado a escassez tornou os naturais heróis, por outro a crucificou. Em um mercado em crescimento puxado pelos emergentes, fatalmente veio a consciência da finitude dos recursos naturais. Os fabricantes então se organizaram na última década, na busca de garantir a sustentabilidade de suas fontes naturais, implementando estratégias de suprimentos fundamentadas na capacitação e desenvolvimento de comunidades especializadas, habilitadas a fornecer ingredientes em escalas mais reais e dentro dos padrões ideais, sem esgotar suas fontes.

Mesmo assim, a polarização naturais x sintéticos sempre colocou este último como vilão. Embora, do ponto de vista da criação de fragrâncias, a arte esteja em saber usar o que cada um tem de melhor a oferecer dentro de uma composição.

Mais alternativas para a perfumaria

Queremos falar sobre o verdadeiro desafio da indústria de perfumaria que, não podendo ser submetida à uma ruptura tão grande que inviabilize o próprio mercado, tem buscado alternativas economicamente, socialmente e ambientalmente mais sustentáveis do que simplesmente perfumes “mais naturais”. Além da já bem estruturada estratégia de obtenção sustentável de naturais a partir de comunidades especializadas situadas na origem dos ingredientes, como citado anteriormente, temos observado duas estratégias germinando e começando a se estabelecer em escala global.

Adoção crescente de ingredientes de origem renovável e redução na utilização de ingredientes de origem não renovável

Mas o que seria renovável, em primeiro lugar? Em nosso cotidiano, entramos em contato ou consumimos vários recursos de origem natural: madeira, água, gás. Alguns desses recursos são renováveis e outros não. De forma mais simples, isso tem a ver com a velocidade com que os recursos se renovam. Os renováveis são aqueles que se recompõem na natureza em um período relativamente curto de tempo, ou do ponto de vista econômico, se recompõem antes de haver necessidade de serem utilizados novamente. O álcool usado em perfumes é portanto de origem renovável.

Já os recursos não renováveis são aqueles consumidos com mais rapidez do que são gerados, como petróleo e seus derivados – principalmente alguns tipos de solventes e especialidades químicas, usados na perfumaria.

Essa estratégia passa então por evitar e até proibir o uso desse tipo de ingredientes na composição da fragrância. A Natural Products Association traz uma abordagem interessante, pois considera como “natural”, produtos com ingredientes provenientes ou produzidos usando fontes renováveis encontradas na natureza, isento de derivados de petróleo. Nessa linha, um absoluto de rosa, por exemplo, que é extraído usando solventes como hexano, éter ou outro derivados de petróleo, já não seria uma opção. No entanto, diminuir o uso destes componentes, coloca-se como uma alternativa de perfumaria mais ambientalmente responsável.

Adoção de tecnologias mais limpas, como a biotecnologia ou também chamada biotecnologia branca

Nessa rota, especialidades são obtidas ou usando organismos vivos como bactérias, leveduras ou fungos “programados” através de bioengenharia para produzir a molécula de interesse olfativo, ou usando enzimas específicas produzidas por esses organismos, com a finalidade de se obter alguma vantagem em relação ao original produzido sinteticamente ou extraído diretamente da natureza. Essas vantagens podem ser: aumentar sua degradação na natureza, consumir menos energia na sua produção, gerar menos resíduos durante o processo produtivo, apresentar melhor performance ou simplesmente uma alternativa a um recurso escasso, caro e finito – como é o caso de muitos naturais valiosos utilizados pelos perfumistas.

Em muitos desses casos, encontrar o seu “genérico biotecnológico” se transforma em uma estratégia de suprimento mais sustentável. Por isso, os grandes fabricantes tem desenvolvido seus próprios métodos biotecnológicos ou se associado a empresas especializadas em desenvolvê-los – e assim obter com exclusividade um ingrediente valioso, sem esgotar sua fonte, e sem contaminar o planeta ao produzi-lo.

A opinião dos especialistas

Lucia Lisboa, Vice Presidente de Perfumaria Fina para América Latina, Givaudan
A Givaudan se dedica à sustentabilidade de seus ingredientes naturais há mais de 10 anos. Temos um programa chamado GIN (Givaudan Innovative Naturals) que mapeia os ingredientes de maior risco de extinção e os fatores que levam a isso, seja por manejo, por negociação, por interesse, ou mesmo por necessidade. Iniciamos nosso trabalho e em 2006 lançamos nosso primeiro ingrediente sustentável, o Sândalo Australiano, trabalhado com comunidades aborígenes da Austrália. Depois vieram o Benjoim do Laos, a Tonka da Venezuela, e não paramos mais. Sempre em parcerias locais com ONGs, representantes do governo e da comunidade envolvida. Hoje vemos um cuidado maior para a origem, o cultivo e a rastreabilidade dos ingredientes naturais. E falamos cada vez mais de um futuro verde para a perfumaria, principalmente no que se refere aos ingredientes naturais, sustentáveis e obtidos através de biotecnologias.

André Tabanez, Gerente de Ingredientes Naturais, Firmenich e Doutor em biodiversidade vegetal e meio ambiente pelo Instituto de Botânica de São Paulo
É importante desmistificar o binômio natural x sintético. Não existe uma correlação direta entre ingrediente natural e sustentabilidade assim como não existe uma correlação direta entre ingrediente sintético e não-sustentabilidade. Em relação aos sintéticos, existe hoje na Firmenich uma busca em grande escala pelo menor impacto ambiental possível para que um novo ingrediente seja incluído em nossa paleta e disponibilizado para os perfumistas trabalharem em suas criações. Só incluímos agora ingredientes biodegradáveis. É o caso do Josenol©, nosso ingrediente floral lançado recentemente.

Maurice Roucel, Mestre Perfumista, Symrise
Dar foco a um processo mais sustentável, como a adoção de ingredientes de fonte renovável e a redução de ingredientes não renováveis, derivados do petróleo, é uma estratégia totalmente viável rumo a uma perfumaria mais verde. Hoje temos clientes de diferentes partes do mundo que já nos demandam criações com 75 a 100% de ingredientes de fonte renovável em suas composições. São escolhas, pois sem dúvida isso limita a sua criatividade, já que você passa a acessar uma paleta mais restrita, com menos opções olfativas, e você acaba entregando uma criação que, em algum ponto, lembra as mais tradicionais. Explico melhor: a modernidade vem da novidade; sem ela, o comum envelhece. Vamos comparar com a música ou a gastronomia: é a introdução de novos ritmos ou de novos aromas que transformam um prato ou uma música já conhecidos em uma peça de arte contemporânea. É o mesmo com a criação de fragrâncias.

Sim, o futuro é verde

São iniciativas de longo prazo, que chegam ao mercado após percorrerem um longo caminho. Mas mostram que, enquanto em uma ponta os consumidores mais conscientes e informados estão em busca de novas alternativas sustentáveis, na outra, as Casas de Fragrâncias que são responsáveis pela inovação em ingredientes para a perfumaria estão investindo no futuro de um caminho cada vez mais verde.