O microbioma é uma criação contemporânea, símbolo do turbilhão no qual vivemos há alguns anos. O que tornou possível o estudo exaustivo e a descoberta da complexidade e da importância fundamental da flora microbiana que povoa o corpo humano e o mundo dos seres vivos em geral (existem microbiotas de plantas, raízes, animais, etc.) foi o aprimoramento de equipamentos capazes de decodificar os bilhões de genomas que compõem esses organismos. Nenhuma dessas descobertas poderia ter vindo à tona sem a crescente capacidade de armazenamento de dados dos computadores.
Rumo à redefinição do ser humano
Há cinco anos, muitos de nós descobrimos - alguns pela imprensa em geral (e aí se incluem certamente nossos consumidores), outros em revistas especializadas – a imensa diversidade microbiana existente no corpo humano, tanto por dentro como por fora. Isso significa que bilhões de bactérias, vírus e parasitas moram em mim, em você, em cada pessoa. O número desses organismos é dez vezes maior que o número de células humanas presentes no corpo, que acreditávamos ser definido unicamente pelo DNA humano. Com essas descobertas, foi preciso uma nova definição de humanidade. Na verdade, somos constituídos por bilhões de tipos de DNA que, embora não sejam humanos, são parte integrante do corpo. Quando eles morrem ou se deterioram, é uma parte de nós que morre ou se deteriora.
Um desequilíbrio na microbiota resulta em um desequilíbrio no corpo. Todos os dias, os micróbios que constituem nosso corpo dialogam e funcionam em perfeita harmonia com as células humanas, preservando nossa vida e nossa saúde. Sem essa harmoniosa convivência, simplesmente morremos. Dia após dia, a ciência vem revelando novos mecanismos por meio dos quais afetamos de maneira positiva ou negativa esses hóspedes e, consequentemente, nossa saúde.
No corpo, a composição dessa população de micróbios varia em função do local em que se encontram. Nas axilas, região quente e úmida, predominam os gêneros Corynebacterium e Staphylococcus. Nas áreas em que a pele é mais seca, encontram-se famílias do filo Proteobactéria, entre outras. Porém, existe invariavelmente uma mistura de populações bacterianas que interagem não somente com as células humanas como também entre elas.
Oportunidade para uma nova abordagem em cosmética
Para a indústria de cosméticos, o microbioma pode parecer um obstáculo insuperável. Como falar ao público sobre esse invólucro microbiano que recobre a pele e remete a bactérias, organismos que nossa visão pasteuriana do mundo nos ensinou a ver como eminentemente negativos? Como lidar com o fato de que os conservantes presentes nos produtos são potencialmente nocivos para esses sistemas? E o que dizer dos rituais de higiene? Quais os efeitos dos surfactantes? Precisaremos rever os processos industriais, extremamente focados na higiene? Devemos questionar a noção de higiene, já que a pele, por mais limpa, está sempre coberta de micróbios?
Empresas como a AOBiome, com o Mother Dirt, já começaram a oferecer suas próprias soluções. Como avaliar a sua eficácia? Qual o impacto dessas iniciativas nos produtos tradicionais e nos argumentos comerciais? Sejam quais forem as respostas a essas perguntas, temos a obrigação de nos posicionar, informar e agir, de forma totalmente transparente. Uma coisa é certa: estamos diante de uma revolução.
Outra certeza absoluta é a oportunidade única que nos é oferecida de criar novos argumentos, de nos posicionar como uma indústria embasada em sólidos conhecimentos científicos sobre a pele, e de lançar novos modelos de consumo e utilização de produtos. É saindo da zona de conforto que conseguimos abrir espaço para a inovação.
Proteger para depois agir
O que fazer, então? First, do no harm. Esse princípio, que norteia qualquer profissão da área de saúde, pode ser a base para renovar a argumentação em torno dos produtos e elaborar estratégias inteligentes. A imprensa veicula com frequência informações sobre problemas causados por um desequilíbrio do microbioma. Portanto, que tal restaurar o microbioma, cuidar dele, ser os seus guardiões, usando a nosso favor os recursos oferecidos pela mídia?
Na descrição dos objetivos de um produto, a homeostase tem mais força que a reparação. O princípio de homeostase reflete, na verdade, uma tendência global. Sua capacidade de contribuir para a inovação supera amplamente as apostas da indústria de cosméticos, obcecada exclusivamente em oferecer o melhor desempenho e vencer concorrentes que lutam com armas bem diferentes – a cirurgia plástica, por exemplo. Antes de pensar em incorporar bactérias inteligentes aos produtos, podemos começar modificando a formulação de produtos e lançando protocolos e rituais inéditos, baseados nos conhecimentos sobre o microbioma e na otimização da saúde dessa flora.
As oportunidades não faltam e abrangem processos e formulação, ingredientes e embalagens, conceitos e produtos. Sem esquecer a argumentação.
A capacidade de informar será determinante para saber se conseguiremos ingressar com serenidade nessa nova era. Mas esse tema merece ser desenvolvido em um outro artigo, a ser publicado em breve.