Após uma batalha de quase duas décadas com alisantes químicos, Victoria Mejias, 28 anos, decidiu enfim aceitar seus cabelos naturalmente crespos e volumosos, deixando-os crescer até os ombros. O ousado estilo afro fez com que se sentisse "divina", diz ela. O primeiro relaxamento foi feito pela mãe, quando Victoria tinha 12 anos. Desde então, "passei a me sentir obrigada a adotar uma determinada aparência e a manter os cabelos bem lisos, pois são um sinal de status", explica ela durante um tratamento de hidratação num salão de beleza no centro de Caracas.

Diversidade racial

Victoria Mejias conta que, durante muitos anos, sentiu vergonha de seu pelo malo (cabelo ruim). Essa expressão, usada na Venezuela para designar o cabelo natural das pessoas negras, é vista por muitos como a manifestação de um racismo profundamente arraigado.

Mas chegou uma hora em que Victoria Mejias resolveu dar um basta. "Eu não aguentava mais ter que ir ao salão o tempo todo para fazer alisamento e ser obrigada a fugir de qualquer chuvinha para não deixar o cabelo com frizz. Era uma forma de escravidão", disse ela à AFP.

Ao deixar os cabelos voltarem à forma natural, "senti que estava me reencontrando. Foi a melhor decisão que tomei na vida".

A Venezuela é um país de grande diversidade de raças, fruto da miscigenação entre os povos indígenas, os conquistadores espanhóis que chegaram no século XV e os africanos escravizados que eles trouxeram de outras colônias ou diretamente da África.

O país acolheu também migrantes europeus que fugiam da devastação causada pela Segunda Guerra Mundial e cidadãos de outros países latino-americanos assolados por décadas de regimes ditatoriais e conflitos armados.

Hoje, mais da metade da população traz nas raízes uma mistura de raças. Embora os mestizos, como são identificadas essas pessoas, sejam maioria na população, a realidade é que quanto mais escura for a pele de um cidadão, maior a probabilidade de que ele seja pobre e vítima de preconceito.

"Com esse cabelo, não!"

Embora, em 2011, uma lei antirracismo tenha sido sancionada, o país tem uma relação complicada com a questão da identidade cultural. Às vezes ostensivo, o racismo é, na verdade, quase sempre implícito.

Na Venezuela, "tudo o que tenha a ver com a negritude é visto como ruim ou... exótico, isto é, fora do padrão", disse à AFP a socióloga Zulima Paredes, que escreveu sobre a estética do cabelo afro.

O país coleciona sucessos em concursos de beleza, tendo conquistado nada menos que sete títulos de Miss Universo.

No entanto, todas as vencedoras tinham a pele clara e os cabelos lisos ou alisados, refletindo a tendência nacional de valorizar um padrão de beleza importado da Europa Ocidental.

Em 2018, quando coroada Miss Venezuela, a modelo Isabella Rodriguez, com sua pele oliva e seus cabelos negros – ainda que artificialmente lisos – foi ridicularizada nas redes sociais por ser uma pessoa de origem social modesta e, ainda por cima, mestiza.

Por vezes, o preconceito baseado no tipo de cabelo tem um impacto concreto no dia a dia.

Zulima Paredes, que também tem origens raciais diversas, conta que já sofreu discriminação no ambiente de trabalho por causa dos cabelos. Certa vez, ao comparecer a uma entrevista de emprego com os cabelos crespos naturais, ouviu o seguinte o seguinte comentário: "Olha, com esse cabelo, não. Você nunca vai ser contratada".

Muito cedo, os venezuelanos são vítimas de preconceito. "Não é possível frequentar a escola com cabelos afro. É preciso prender ou alisar", faz parte da indumentária que devemos respeitar, explica a cabeleireira Gabriela Delgado.

Vítima dessa ditadura capilar, ela própria chegou a usar megahair, com fios lisos e longos, até quatro anos atrás, quando decidiu adotar dreadlocks.

O cabelo "nunca é ruim"

"Tem gente que começa a fazer relaxamento nos cabelos aos cinco, seis anos!", exclama Ludizay Gardona, 35 anos, colega de Gabriela.

As duas profissionais trabalham no Afro Caracas, salão especializado em cabelos crespos e cacheados. "Muita gente ainda se agarra ao estereótipo de que as pessoas negras não passam de escravos. É esse tipo de preconceito que estamos tentando derrubar. Precisamos ser mais fortes", declara Gabriela Delgado. "Este cabelo nunca fez mal a ninguém e, portanto, ele nunca é ruim".

Essa questão é o tema do filme venezuelano Pelo Malo, lançado em 2013, que conta a história de um menino obcecado por ter cabelos lisos. O longa-metragem ganhou o prêmio de melhor filme no Festival de San Sebastián.

Mas a Venezuela não é o único país a enfrentar esse problema. Em 2019, a sul-africana Zozibini Tunzi tornou-se a primeira mulher negra com cabelos curtos e naturais a ser coroada Miss Universo. Na época, a nova rainha da beleza declarou: "Quero que todos saibam que este tipo de cabelo é tão belo quanto qualquer outro".

Em julho de 2019, a Califórnia foi o primeiro estado americano a proibir a discriminação baseada no tipo de cabelo natural. A lei em questão reconhecia que os cabelos constituem um motivo frequente de preconceito racial e, por conseguinte, de exclusão, sobretudo de pessoas negras.