Naturalmente, muitos outros desenhos puderam ser admirados durante os três dias que durou o evento. Personagens da Disney, guerreiros vikings, gueixas, rosas e extensas composições florais lotaram os corredores do Centro de Convenções SulAmérica, no centro do Rio. Até a velha âncora do Popeye foi vista em alguns braços. Mas a figura da morte, nas mais variadas formas – assustadoras, brincalhonas ou provocantes –, foi arroz de festa.

"A caveira é a última moda", conta Priscila Virla, 32 anos, sócia proprietária de um studio de tatuagem voltado principalmente para o público feminino, o Lady Luck, que expôs seu trabalho em um dos 250 estandes da feira. "A caveira é uma das imagens mais procuradas, principalmente aqui no Rio".

Símbolo de igualdade

Algumas das representações da morte presentes em catálogos de tatuagens mostram crânios terrivelmente desfigurados, com sangue escorrendo e expressão de sofrimento. Mas, apesar dessa aparência inicial de horror, por incrível que pareça a procura por imagens de caveiras tem motivações positivas. "Para os brasileiros, a caveira representa a igualdade entre os seres", explica Binho Fernandes, que criou a Thug Nine, linha de roupas e acessórios que tem a caveira como tema central. "As pessoas querem tatuagens de caveira porque ela é o traço de união entre todos os humanos".

Essa é também a ideia defendida pelo studio Radac, cujo logotipo é uma caveira altamente estilizada. Seu proprietário, Nélio Cadar, exibe no braço direito uma enorme tatuagem em forma de caveira, corroborando o que diz Binho. "Captamos o lado belo do símbolo. O verdadeiro sentido não é a morte, mas a igualdade", afirma ele. "Não importa se a pessoa é rica ou pobre, se segue a religião católica ou uma seita: quando a gente morre, o que fica é a caveira".

Segundo especialistas em tatuagem que participaram da Convenção, a obsessão por caveiras teve origem com a festa do Dia dos Mortos, no México. O deus asteca da morte foi transformado pela cultura popular em um personagem sinistro do folclore local, chamado Santa Muerte, protetor dos criminosos e policiais, explica Federico Ruiz, artista originário da Cidade do México que veio ao Rio para vender seu trabalho.

Outra imagem artisticamente associada à Santa Muerte é a Catrina, figura de esqueleto feminino que também foi exportada do México, e hoje é uma importante fonte de inspiração para aficionados por tatuagem do mundo todo – embora tenha sido no Brasil que encontrou os adeptos mais fervorosos. "O Brasil adotou a Catrina como se fosse um produto nacional", relata Cadar. "Nós a transformamos num símbolo supermaneiro".

Mercado à prova de recessão

Uma tatuagem de caveira rica em detalhes, que ocupe boa parte de um braço, custa cerca de R$ 1.200 – uma quantia respeitável num país em que a economia tem maltratado a população. Paradoxalmente, porém, não faltam clientes nos studios. A procura por tatuagens tem sido tão grande no Rio que os artistas entrevistados pela AFP foram unânimes em dizer que, por enquanto, o setor está imune à crise econômica que assola o país.

O aspecto potencialmente macabro de carregar no corpo um símbolo associado à morte tampouco tem amedrontado o público.

"Depois de fazer um certo número de tatuagens, a gente não presta mais atenção no que elas significam", diz Lorena Lima, 21 anos, que exibe, no braço direito, uma imensa tatuagem de Catrina com olhos de fera e boca costurada. "A gente faz a tatuagem pelo que ela tem de belo", continua ela em meio a caretas de dor, enquanto um artista desenha, no corpo de Lorena, uma mulher com língua de cobra – sua décima tatuagem.

"De qualquer forma, caveiras não precisam ser necessariamente assustadoras", assinala Virla no studio dedicado a mulheres. "Quer ver?", diz ela levantando a barra da calça comprida e mostrando, na perna, uma caveira com um pitoresco laço de bolinhas vermelhas e brancas. "Tudo é questão de perspectiva".