Cosméticos e produtos de cuidados pessoais desenvolvidos por meio do conhecimento tradicional, passado de geração para geração, estão ganhando força no mundo todo com a combinação de inovação tecnológica e sabedoria milenar.

Na China, marcas locais e internacionais estão retornando às origens e usando insumos conhecidos pela medicina chinesa na fabricação de produtos de beleza. A norte-americana Amway foi uma das precursoras dessa tendência, com a abertura de um centro de pesquisa botânica na cidade de Wuxi, em 2015, voltado para o estudo de ingredientes usados na tradicional medicina chinesa em cosméticos. Nos EUA, também se observa a crescente valorização de insumos extraídos do campo e rituais que resgatam a beleza e a simplicidade do passado.

Keyvan Macedo, Gerente de Sustentabilidade da Natura

No Brasil, o conhecimento tradicional tem relação direta com a herança multirracial e multicultural do país. Ingredientes extraídos da rica flora brasileira e usados tradicionalmente pelas populações indígenas e ribeirinhas são fonte de inspiração e pesquisas para o desenvolvimento de cosméticos e fragrâncias.

Até 2015, a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico realizados com base no patrimônio genético eram regulamentados por uma medida provisória e necessitavam de permissão prévia do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN). Com o sancionamento da lei 13.123, conhecida como Lei da Biodiversidade, caiu a necessidade de qualquer tipo de autorização. É preciso somente realizar um cadastro com informações sobre a pesquisa feita para o desenvolvimento do produto. Porém, segundo a Secretaria de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, “caso a pesquisa envolva um conhecimento tradicional associado à biodiversidade, o uso deste conhecimento deve ser previamente negociado com seu detentor. O consentimento prévio dele é uma condição para que o usuário possa realizar as atividades de pesquisa”.

Estas obrigações se referem à lei de acesso e repartição de benefícios, que assinala que a exploração comercial do conhecimento continua sujeita à legislação vigente. A Secretaria afirma que a Lei da Biodiversidade tem o propósito de desburocratizar e eliminar os custos de toda a cadeia de inovação que antecede a entrada do produto no mercado. Por meio da assessoria de imprensa, o órgão explica que espécies ameaçadas de extinção, por exemplo, demandam acompanhamento especial para garantir sua conservação.

É essencial reconhecer que os setores que usam a biodiversidade em pesquisas, como o de cosméticos, podem ser um importante elemento de geração de renda para as populações locais. Em muitas dessas experiências, ocorre a substituição da renda oriunda de atividades predatórias, como a da indústria madeireira ilegal, pela renda vinda do fornecimento sustentável de matérias-primas,” afirma. “Quando estas comunidades são integradas em cadeias produtivas que usam a biodiversidade de forma responsável e dependem de frutos, cascas e outros elementos que justificam economicamente a manutenção dessas espécies, criam-se as condições para que as populações locais ajudem, cada vez mais, a proteger e conservar as florestas e a biodiversidade nacional”.

Criada em 2000, a linha Ekos, da Natura, foi um divisor de águas no uso da flora brasileira no desenvolvimento de cosméticos. Entre os bioativos utilizados pela marca estão castanha, maracujá, pitanga, açaí, ucuuba, murumuru, andiroba, cumaru e buriti.

Segundo o Gerente de Sustentabilidade da Natura, Keyvan Macedo, a empresa entende que não existe biodiversidade sem associação das comunidades ribeirinhas. “Independentemente se o conhecimento tradicional no uso desses insumos será agregado, existe o envolvimento dessas comunidades para a preservação das espécies, possibilitando a geração de uma equação em que todos ganham”, afirma Macedo.

Ele cita como exemplo a semente de ucuuba, proveniente da Amazônia, de onde a Natura extrai uma manteiga com alto poder de emoliência e hidratação. “A comunidade que realiza o fornecimento desta matéria-prima vende os insumos através de uma associação de cooperativas e, ao mesmo tempo, também recebe a repartição de benefícios por uso coletivo.

Segundo o executivo, o uso do conhecimento tradicional não só é viável, mas também estimula a sustentabilidade. “A vantagem do conhecimento tradicional é a valorização dupla da riqueza da nação, seja do ponto de vista da biodiversidade, como também da cultura de um povo que, por ter convivido por vários anos com a floresta, aprendeu com a natureza o valor dos seus frutos”.